TERROR E OUTROS CONTOS

TERROR E OUTROS CONTOS
O MEDO É REAL

terça-feira, 4 de março de 2014

ALGUMAS FACES DA MORTE...


“O mal não morre, pode até ficar adormecido, mas será por pouco tempo.”

“Na árida região de aço e pedra eu ergui a minha voz para que você possa escutar. Eu chamo o Este e o Oeste. Eu mostro um sinal proclamando o Norte e o Sul. Morte ao fraco, saúde ao forte!” (Livro de Satã 1:1)

Soube da morte de Samantha quando curava minha bebedeira.

Uma ressaca como aquela é muito ruim. Mas pior que isso é ficar sabendo, no meio de um pileque da morte de uma boa amiga. Para muitos, Samantha não passava de uma prostituta. E pode ser que tivessem razão. Para mim era uma moça muito jovem para a profissão que exercia, presa num cepo asqueroso, cruel que é a cidade grande. Cruel como a luta para sobreviver nela de algum modo, digno ou não.

Tinha acabado de tomar sal de frutas para combater o enjoo e não vomitar quando o telefone tocou. Precisei segurar minha cabeça com as duas mãos por um instante, pois parecia que ia explodir em mil pedaços...

Mas aquela maldita campainha soava insistentemente tão forte que meus tímpanos pareciam não aguentar.

- Sim – respondi fazendo parecer que minha voz soava de dentro de uma tumba.

- É você Tony?

Tentei reconhecer a voz, mas não estava em condições para tal.

- Sim – disse – Sou eu. Quem está falando?

- Aqui é Marcos. Marcos Sampaio, você sabe.

Eu sabia, claro que sabia. Um velho amigo. O médico legista do IML. Não gosto de receber telefonemas dele, pois é sempre anunciação de morte.

- Olá doutor – tentei engolir a saliva, mas a boca seca não permitiu que o fizesse. Minha língua parecia estopa no meio de uma boca espessa e fétida – O que houve?

- Nada de bom. Chegou nessa madrugada uma grande amiga sua. Samantha Sanders.

Samantha Sanders.

Por um breve momento calei. Não se levam ninguém ao necrotério para extrair um dente ou operar de apêndice.

- Meu Deus... – murmurei com voz áspera como lixa -  O que houve com ela?

- Um caso muito feio Tony. Quase a esvaziaram por dentro. Destripada a faca. Coisa de sádico.

Voltei a me calar. Não podia fazer coisa diferente. Um maldito filho da puta fizera outra barbárie.

A cidade está cheia de pessoas assim. Eles se acham enviados de Deus ou coisas do gênero.

- O que sabe sobre isso? – finalmente articulei – Algum cafifa furioso?

- Não está parecendo. Não é estilo deles. Primeiro eles dão uma boa surra e só depois, se elas reincidem, é que eles matam. Mas, sem requinte de crueldade.

- Entendo. Irei vê-la, se é que posso.

- Você pode sim.

- Não sou policial, Marcos, e você sabe disso.

- Vamos dizer que você irá identificar o corpo, afinal de contas era sua amiga, ou não?

- Sim – suspirei – Era minha amiga.
Nunca me deitei com Samantha. Embora ela tivesse tentado. Pobre menina.

Desliguei o telefone. Eu me sentia pior que quando acordei. Desta vez não consegui segurar o vomito, apesar do antiácido.

Tomei um banho, melhorei um pouco e saí.
Pouco tempo estava no necrotério, o doutor e amigo se limitou a apertar minha mão languidamente, com olhar perdido atrás de seus estranhos óculos com lentes que diminuíam seus olhos. Com um movimento de cabeça me fez segui-lo até a câmara fria, lugar que eu conhecia muito bem. Lá os corpos esperavam a necropsia ou funeral.

A mim bastou dar uma olhada. Era Samantha. Não cabia mais nenhuma dúvida.

Jovem, muito jovem ainda para morrer.
Não completaria seu vigésimo aniversário.


- Acho que é ela, não? – disse Marcos, talvez para dizer alguma coisa.

- Sim, é ela – disse crispando o punho tamanha raiva eu sentia. – O que dizem meus antigos colegas?

- Quase nada. O delegado Andrade parece nada saber. Disse que esse é o sexto caso em dois meses, mas ele está cauteloso em dizer que se trata de um serial killer.

Dirigi um último olhar a seu ventre arrebentado, antes que ele tornasse a fechar a gaveta e aquele recipiente frio levasse novamente a bela Samantha para o fundo da escuridão glacial.

- Tony, preciso te dizer que nenhum dos órgãos da moça está com ela, tudo foi arrancado. – a voz tremula de meu amigo anunciava algo muito terrível, pois ele está acostumado com selvageria que os seres humanos são capazes de fazer. Mas essa foi demais até para ele.

(Continua)

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

PRISIONEIRO DOS SONHOS...


“Sei que é irracional, mas há vezes em que desejaria não ter nascido... Assim.”
 
 
Que bom ter minha cabeça de volta! Penso que consegui.
 
Ontem foi meu primeiro dia sem alucinações. Escolhi perfeitamente as cores. As rosas eram vermelhas e os lençóis, extremamente brancos. A comida, ainda que do hospital, era boa...
 
Gradualmente meu apetite cresce e, isso é bom. Tive diversas ereções enquanto as novas enfermeiras me davam o banho noturno com álcool.
 
Tudo o mais aparentemente ok. Visão, tato e coordenação, etc. recebi alta nos exames físicos hoje.
 
Apenas uma coisa que ainda me intriga. Vagamente me lembro dos sonhos de ontem à noite. Nenhum pesadelo, nada como os horrores provocados pelos remédios administrados via oral e venosa para que eu me mantenha calmo...
Ouvi dizerem que uma nova droga está sendo testada. Em mim... 
 
É o EZX-215. Liberado pelo governo para ser usado em pessoas como eu. Só que esse é bem diferente dos outros. Não havia experimentado nada igual.
 
Enevoamente, figuras confusas, uma espécie de sentimento já visto, acompanhado de vozes soando mais que uma mera alucinação oral. Preciso tentar me lembrar de ontem à noite. Caso queiram voltar...
 
Ainda não consegui relembrar toda a experiência, meus primeiros estágios foram muito ruins, certamente, mas discordo com o psiquiatra que disse que uma entrevista com ácidos seria prejudicial... Ao projeto.
 
Eles me manterão aqui para observação por pelo menos mais uma semana. Terei a oportunidade de ir desenvolvendo minha habilidade de relembrar. Quem sabe? Talvez eu ative algumas das misteriosas e desusadas células do cérebro.
 
Meu trabalho é muito importante, pois minha mente foi capaz de resistir à própria experiência, então serei capaz de suportar a lembrança. Que venha!
 
Mas por enquanto ficarei assim, ela, a lembrança voltará no tempo certo.
 
Se, porventura não voltar, posso trabalhar com outro psiquiatra, numa oportunidade futura. Em nenhum momento duas cabeças terão o mesmo mecanismo. Isto é impossível.
 
Preciso manter-me calmo e concentrar-me em assuntos mais importantes...
 
Alguns assuntos tratados hoje ajudaram a trazer lembranças que foram apagadas pelo trauma. Ontem à noite os sonhos voltaram semelhantes com o da primeira. Estranhei.
 
Esta manhã consegui trabalhar a mente no processo de trazer os sonhos de volta. O sucesso me animou. Os sonhos nada são parecidos, e, se a metamorfose inicia-se nos sonhos? Daí a resposta para as vozes de mulher ecoando no nevoeiro noturno.
 
Eleonora sugeriu que eu escrevesse um romance, ignorei-a por completo. Ela administra doses do EZX-215 mais altas que o prontuário indica. Ela é contra o projeto. Ela é antigovernista.
 
Meu cérebro se regenera a cada hiperdosagem e eu sairei daqui, antes que eles contem até cem.
 
Bom. Somente mais alguns dias aqui e encherei o pulmão com o ar poluído dessa metrópole que não dorme e não sonha...
As amarras não são necessárias, mas ordens são ordens...
 
Glória a Deus! Hora do meu banho com álcool! Após, virão os sonhos para me amedrontarem ou me divertirem.

O que será hoje?



terça-feira, 12 de novembro de 2013

DO OUTRO LADO DA PONTE...


O sol já beijava suavemente a plantação de trigo que amadurecia lentamente aos pés daquela colina, regado as canções entoadas pelos belos pássaros que quase que num rito o faziam com alegria. Acordei apreciando aquela vista tão bela e tão melancólica. A tristeza também esta nas coisas belas.
 
Aquele aperto no peito que atrapalhava o sono voltou como os primeiros raios do claro dia e minha alma sentia os grilhões do medo, pesados grilhões...
 
A minúscula janela ornada com grossas grades me trazia de volta à dura realidade. Os anos seguiam lentos antes da sentença. Agora eles correm soltos.
 
Amanhã não terei essa vista e os pássaros não serão mais ouvidos. Somente a escuridão e os gritos que permeiam os tímpanos provenientes do inferno.
 
Preparo-me para a ultima refeição. Engraçado. Faz muitos anos que não sinto fome. Hoje sinto que meu estomago empedrou.
 
Tomei um quente e demorado banho com direito a xampu e sabonete Phebo. Sempre gostei do sabonete Phebo e sua fragrância me arrebatou para o tempo que em que eu ainda vivia. Sei que estou morto desde que aqui cheguei, mas o medo do inferno atormenta meu ser...
O saboroso bife grelhado com ervilhas não consegui tocar, não consegui me alimentar...
 
A voz do carcereiro fez meus ossos tinirem...
 
- Está na hora!
 
Levantei-me como um cordeiro que sabe que irá para o abate. Senti na pele o que lia na bíblia.
O corredor da morte literalmente é doloroso e tem cheiro de sangue. Talvez o cheiro tivesse sido criado por minha imaginação que de fértil nada tem...
 
A maca com diversos aparatos era coberta por um límpido e alvo lençol. Não tinha visto algo tão puro, o branco é puro. Talvez para amenizar a escuridão do abismo que me espera.

O carrasco era uma linda mulher e seus olhos me fitaram. Eu pude sentir a mescla de ódio e prazer que eles emanavam. Sua voz ríspida fez o que é de praxe:

- Suas ultimas palavras?

Meneei a cabeça negativamente. Não tinha nada a dizer. Fechei os olhos para guardar em minha ultima lembrança, o rosto de Laura. Minha adorável Laura. 

A injeção administrada percorre o corpo rapidamente e o sono toma conta de todo o meu eu. Como é bom poder dormir sem o peso da culpa.

Antes que eu pudesse apagar definitivamente ouvi um sussurro ao meu ouvido... Era Laura.

- Durma agora meu amor. Estarei te esperando do outro lado da ponte...

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O NECROMANTE

“Jamais zombe daquilo que não tiveres ciência. O que lhe é oculto que permaneça oculto”
P.M

Agosto de 1954.


Abri a porta que tinha o letreiro “Angelina Chaves – Investigações Confidenciais” – entrada. Denise, a secretária me olhou levantando os olhos de suas anotações e, sem perder uma letra do teclado, exclamou:

- Entre. Ela o espera.

O ritmo “staccato” de sua máquina de escrever me acompanhou através do escritório até a porta com o letreiro: “Angelina Chaves – Privativo”.

Angelina, rude, maciça, belicosa e renitente estava sentada à escrivaninha. Os ornamentos em pedras preciosas brilhavam à luz matinal enquanto ela se movia vagarosamente na cadeira que rangia suave. O homem magro, de quarenta e tantos anos, sentado na cadeira do cliente fitou-me ansioso e apreensivo.

- Você demorou – disse Angelina.

Em vez de responder, examinei o cliente, um homem esbelto de cabelos já embranquecendo, bigodes grisalhos e uma boca que denotava ansiedade, algo próximo do medo, talvez.

Os óculos escuros me impediram de distinguir a cor daqueles olhos.

- Sr. Haroldo – disse Angelina – este é Eduardo Nunes, o rapaz a respeito do qual lhe falei, Nunes, Haroldo Pena.

Inclinei-me.

- Bom dia Sr. Nunes – disse Pena, com voz de um homem que aprendeu a se disciplinar para subordinar suas impressões gerais às propostas exatas.

Não me estendeu a mão. Parecia decepcionado.

- Não tire conclusões precipitadas a respeito de Nunes – acrescentou Angelina. Ele aparenta ser jovem, mas é deveras dinâmico e focado naquilo que precisamos que ele seja. É pequeno em estatura, mas grande em sabedoria.Se há respostas para o que procura, somente este homem poderá encontra-las.

Haroldo Pena inclinou a cabeça. Tive a impressão que não o fez com muita convicção, mas não pude ver seus olhos.

- Sente-se Nunes – disse Angelina.
Sentei na cadeira dura e de encosto reto.

- Este homem já fez coisas que o senhor não acreditaria se lhe contasse.

Angelina fez uma pausa para rir de boca fechada e prosseguiu:

- Nunes já consultou vários “Espíritos” e encontramos sempre o que procurávamos. O senhor presenciará.

Angelina me encarou com uma expressão sintética de afeto, que não tinha a menor autenticidade.

Haroldo inclinou a cabeça.

- Sr. Nunes. Eu poderei ver o que o sr. vê? 

- Sim – Lhe disse sem a menor rusga de dúvida. Sempre fazem essa mesma pergunta.

Somos charlatães em busca de dinheiro fácil à custa da ignorância e, digamos, certa inocência das vítimas que Angelina pescava em seu trabalho. Eu nunca fui necromante. Para dizer a verdade, não acredito nessas coisas.

Haroldo Pena não quis esperar até domingo, quando a filha iria chegar para participar do ritual.

- Vamos fazer hoje, sexta-feira – disse fitando-me novamente com dois pequenos olhos escondidos atrás daqueles óculos – eu consigo tudo ainda hoje.

Fiz que sim com a cabeça, concordando com o homem que já não controlava suas ações que de início pareciam sob o domínio de uma pessoa treinada para moderar as emoções.

Angelina parecia se divertir enquanto o homem me estendia a mão, agora mais confiante.

Angelina usa o interfone para pedir a Denise, café para o cliente, água para todos.

***


A noite chegou acompanhada de uma brisa suavemente fria, que aos poucos ganhava força e uma densa névoa começava se fazer presente, trazendo consigo o cenário que causaria calafrios em pessoas normais, mas não em mim.

O cemitério deserto era o cenário perfeito para o ritual. Estamos em frente ao mausoléu da família Pena, onde Gertrudes Pena, a falecida esposa seria contatada.

Angelina, aparentemente com medo, fica ao meu lado, enquanto Haroldo Pena aparece a pé entre os jazigos em direção ao local combinado.

- Aqui está. Tudo o que pediram – Pena foi dizendo ao chegar com uma caixa de madeira em mãos – onde coloco?

- Aqui Sr. Pena, por favor – Angelina aponta uma mesa dobrável onde o material seria devidamente separado para que o ritual tome forma.

Objetos pessoais de sua esposa, muitas velas e incensos foram juntados aos pentagramas e outros equipamentos, apetrechos de uso nesta situação.

Um bode negro amarrado ao pé de uma pequena arvore faz com que o homem recém chegado tenha um sobressalto ao emitir um balido assustador, pois dizem que esses animais sabem quando serão sacrificados e o pavor da morte não perdoa nem os seres irracionais.

- Is-isto é necessário? – consegue balbuciar o tremulo homem.

Somente olhei para ele e naqueles olhos pude ver uma pequena faísca de arrependimento.

- Será de extrema importância, sem o animal não haverá contato, pois o sangue dele abrirá o portal.

O homem assentiu com a cabeça...

Dispostos os materiais para o ritual, todos se encontravam em volta da mesa e nesse momento os dois olham em minha direção.

Fico de frente com o homem que me contratou para descobrir através dos “espíritos” quem assassinou sua esposa. Uma mescla de esperança e ódio irradiam de seus olhos.

Havia um desenho feito na mesa, um pentagrama com o sangue do animal que ainda vive, e esse não deve morrer antes que termine o contato com os “espíritos”. Os olhos de Pena estão mais abertos que o normal, ele tremia compulsivamente. Angelina, mesmo sabendo que não passava de uma encenação sempre demonstrava medo e seus pelos eriçavam-se a cada vez que eu dizia algo.

Após invocar os seres de outra dimensão com palavras que eu mesmo criei para causar uma impressão ao homem que buscava vingança acabei conseguindo algo maior, muito maior...

***



Um vento morno e fétido tomou conta do lugar.

- Podemos parar? – Angelina nunca havia interrompido um ritual antes e achei ser parte da encenação, mas ela destilava um medo inexplicavelmente insano – Algo está errado! Vamos parar!

Tarde demais.

Angelina ainda tentou correr, mas uma força invisível alcançou a mulher que começou a flutuar sobre os túmulos e seu corpo a se contorcer fazendo com que ouvíssemos os ossos estralarem. Em segundos os gritos ecoaram pelo cemitério e uma massa disforme de carne e sangue fora arremessada em nossa direção. Tudo aconteceu muito rápido e minha percepção humana não conseguiu acompanhar.

Assistia a tudo, mesmo não acreditando em nada daquilo, movido pelo instinto de sobrevivência tentei correr. Minhas pernas não respondiam ao comando enviado de meu cérebro e ali fiquei paralisado vendo o Sr. Pena cair de joelhos e tentar fazer contato com os demônios que ele acreditava ser os “espíritos”. Ele não se importou com a morte trágica de Angelina, Pena só queria saber quem matou a esposa. Na verdade ele sentia uma sede enorme por vingança.

Nesse instante, um ciclone de almas gritantes desceu sobre a cabeça do grisalho senhor e seus olhos continham um brilho avermelhado. Sangue jorrava de sua boca que mesmo assim emitia um grunhido apavorante. Pena correu em direção ao bode que se debatia na tentativa frustrada de escapar e com um só golpe arrancou a cabeça do animal que começou a devorá-lo. Enquanto nacos de carne eram arrancados do homem, da cabeça do animal surgiam pernas muito maiores que as antigas e um corpo meio homem e meio animal se materializava bisonhamente.

Tremores tomavam conta do lugar e pude senti-los em meus ossos...

Meus medos de toda a vida, se juntos, não chegariam a um milionésimo do que sentira naquele momento. Em todo esse tempo em que me dizia necromante, jamais senti a presença de algo do além. Eu nunca acreditei nessas coisas, mas creiam, elas são reais.

De repente, como se o tempo parasse, tudo ficou calmo e somente o cheiro do sangue dos personagens desse episódio macabro se fazia presente. Voltou o remanso. O silencio parecia reinar novamente.

Senti que estava livre, pois meus pés estavam leves. Tentei correr na direção da saída daquele lugar tão macabro, onde as vísceras de Angelina e do Sr. Pena se misturavam, mas o que vi naquele instante me tirou a réstia de esperança de sair vivo dali...

Com mais de quatro metros de altura lá estava o bode, ou melhor, o ser que saiu da cabeça do bode e me olhava com certo desdém.

O cheiro de enxofre causou-me náuseas e senti vontade de vomitar, mas não o fiz.

Uma voz gutural ecoou no mausoléu, e ouvi aquele ser pronunciar meu nome:

- Eduardo! Eis-me aqui! Você me invocou e aqui estou.

Eu achei que perderia os sentidos, mas aquele demônio disse:

- Não, você não vai desmaiar agora, preciso que esteja lucido e bem acordado para presenciar algo que poucos ao longo da história tiveram o desprazer!

Uma risada penetrou em meus tímpanos. Senti minhas entranhas queimarem e a pele de meu corpo exibia erupções de onde brotava pus. Eu apodrecia feito um cadáver em avançado estado de decomposição e a dor lancinante arrancava gritos que vinham de minha enegrecida alma.

- Você me evocou e sem saber o que fazia – a voz continuou com força estridente, meus tímpanos sangravam – Agora estou aqui e não voltarei de mãos vazias.

Meus olhos vazaram quando o ser se aproximou de meu rosto e senti sua áspera e fétida língua, lambendo minha face. Ele saboreava o liquido que escapava do local onde repousavam os globos oculares que doíam insanamente.

Clamei pela morte, mas nem mesmo ela se atreveu a enfrentar o demônio das trevas.

- Agora você será meu servo e andará nos dois mundos, você será o canal do inferno para o mundo dos mortais e sempre que alguém me evocar você sofrerá dores que nenhum ser experimentou antes. Você, a partir de agora é meu embaixador e sua paga será viver eternamente, mas não sem dores e ranger de dentes...

- Você não chamará mais Eduardo Nunes, pois te darei outro nome.

Meus gritos perduram desde então pelos dois mundos. Se você ainda não ouviu, não se preocupe. 

Numa noite qualquer, quando sentir falta de um ente querido, ou se porventura tentares contatar os “espíritos”. Lá estarei e ouvirás na noite meu grito de angustia, ouviras o desespero do servo do demônio, pois eu sou o NECROMANTE.


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